sexta-feira, 13 de julho de 2007

ENTREVISTA A TRÊS GENERAIS IRAQUIANOS


Artigo colhido no www.globalresearch.ca (Canadá), sobre a situação atual no Iraque


Em vésperas da chamada "transferência de soberania" para o novo governo interino iraquiano em 30 de Junho, ex-generais de Saddam Hussein que se tornaram membros da elite da resistência iraquiana saíram momentaneamente das suas posições clandestinas para explicarem a sua versão dos acontecimentos e falarem das suas intenções.


No ver destes oficiais do Baas, a "grande batalha" no Iraque ainda está para vir.


"Os americanos prepararam a guerra, nós preparamos o pós-guerra. E a transferência de poder em 30 de Junho em nada vai alterar os nossos objectivos. Este novo governo provisório designado pelos americanos não tem legitimidade aos nossos olhos. Não passam de marionetas."


Porque esperaram estes ex-oficiais tanto tempo para saírem dos esconderijos?


"Porque agora estamos certos de que vamos ganhar."


Encontro secreto
Hotel Palestina, terça-feira, 3 horas da tarde.

Uma semana depois do nosso pedido forma, a perspectiva de um encontro com a resistência vai-se tornando mais improvável.

Chegamos a uma série de becos sem saída - até que um homem que nunca víramos antes se aproxima da nossa mesa.

"Continuam a querer encontrar-se com membros da resistência ?"

Dirige-se à minha colega, uma jornalista árabe que já esteve muitas vezes no Iraque.

A conversa é curta.
"Encontramo-nos amanhã de manhã no Hotel Babel", diz o homem antes de desaparecer.

Contra todas as expectativas, este contacto parece ser mais fiável do que todos os que fizéramos antes.
Hotel Babel, quarta-feira, 9 da manhã.

À entrada do cibercafé, atulhado de mercenários estrangeiros, o homem que víramos na véspera deixa cair as palavras:

"Amanhã às 10 da manhã na rua al-Saadoun, em frente ao Palestina.
Não tragam o vosso carro".
Chegamos ao lugar do encontro na quinta de manhã, de táxi.

O nosso contacto está lá.

Depois de um rápido "Salam Aleikum" entramos no carro dele.

"Onde vamos ?" Sem resposta.
Somos conduzidos durante mais de duas horas.

Em Bagdad, mesmo quanto o trânsito não está completamente bloqueado pelas barreiras militares, os engarrafamentos são permanentes.

Num só ano, mais de 300.000 veículos foram contrabandeados para o país.

Os outros carros todos não têm placas de matrícula e a maior parte dos condutores nem sabe o que quer dizer "carta de condução".
"Não demoramos a chegar. Conhecem Bagdad ?", pergunta o nosso homem.

A resposta é claramente não.

Só aprende a orientar-se nesta imensa cidade que nela circular livremente e a pé.

E os comportamentos criminais, que se espalham como um vírus, a onda de raptos, os 50 ou 60 ataques diários contra as forças de ocupação e a resposta indiscriminada dos soldados americanos, não incentivam nada a andar a pé.
O carro pára numa álea de acesso, junto de um minibus com os vidros fumados.

Abre-se uma das portas.

A bordo estão três homens e um condutor que perscruta atentamente todas as ruas e casas em volta.

Enquanto que nós ignoramos totalmente em que situação nos encontramos, os nossos interlocutores parecem saber muito bem com quem estão a falar.

"Antes de quaisquer conversas, nós não queremos que vocês possam ter dúvidas acerca das nossas identidades", dizem, enquanto tiram alguns papéis de um poeirento saco de plástico: bilhetes de identidade, identificações militares, e várias fotografias que os mostram de uniforme ao lado de Saddam Hussein.

São dois generais e um coronel do desmantelado exército iraquiano, agora em fuga há muitos meses, perseguidos pelas espionagens da coligação.
"Gostaríamos de rectificar alguma informação que anda a circular nos media ocidentais, por isso tomámos a iniciativa de nos encontrarmos convosco".

A conversa dura mais de três horas.


Voltando à queda de Bagdad
"Nós sabíamos que, se os Estados Unidos decidissem atacar o Iraque, não teríamos qualquer hipótese de enfrentar o seu poderio tecnológico e militar. Como a guerra estava antecipadamente perdida, tratámos de preparar o pós-guerra. Por outras palavras: a resistência. Contrariamente ao que tem sido espalhado, nós não desertamos quando as tropas americanas entraram no centro de Bagdad, em 5 de Abril de 2003. Lutamos durante uns dias para honrar o Iraque – e não o Saddam Hussein - e então recebemos ordens para dispersar."
Bagdad caíu em 9 de Abril: Saddam e o seu exército desapareceram.
"Como tínhamos previsto, as zonas estratégicas caíram rapisamente sob o controlo dos americanos e seus aliados. Pela nossa parte, era tempo de executarmos o nosso plano. Já estavam organizados movimentos de oposição à ocupação. A nossa estratégia não foi organizada só quando a regime caíu."

Este plano B, que parece ter totalmente enganado os americanos, foi, segundo estes oficiais, cuidadosamente organizado durante meses ou mesmo anos antes de 20 de Março de 2003, data do início da Operação Liberdade para o Iraque.

Tinha como objectivo "libertar o Iraque e expulsar a coligação. Recuperar a nossa soberania e instalar uma democracia laica, mas não a que os americanos impõem. O Iraque sempre foi um país progressista, nós não queremos voltar para trás, queremos andar para a frente", dizem os três taticistas.

Claro que não darão nomes nem números precisos acerca da rede clandestina.

"Temos o número suficiente, o que não falta são voluntários".


Falluja
A ofensiva mortífera das tropas americanas contra Falluja, em Março, foi um ponto de viragem no que diz respeito à resistência.

A pilhagem indiscriminada dos soldados americanos durante as operações de busca (referida por inúmeras testemunhas) e a humilhação sexual infligida aos prisioneiros, como em Abu Ghraib em Bagdad, serviram apenas para fazer crescer a revolta sentida pela maioria dos iraquianos. "Já não há qualquer confiança, e vai ser difícil reconquistá-la."
Segundo estes dirigentes da resistência, "atingimos o ponto sem regresso".

É exactamente igual o ponto de vista da mulher chiita que havíamos encontrado dois dias antes - antiga militante clandestina da oposição a Saddam: "O maior erro das forças de ocupação foi desprezar as nossas tradições e a nossa cultura. Não lhes basta terem bombardeado as nossas infrastruturas, quiseram destruir o nosso sistema social e a nossa dignidade. Isto, não o podemos permitir. São feridas profundas, vão levar muito tempo a cicatrizar. Preferimos viver sob o terror de um dos nossos a ter de viver na humilhação duma ocupação estrangeira."

Segundo os generais de Saddam, "mais de um ano após o começo da guerra, a insegurança e a anarquia ainda dominam o país. Devido à sua incapacidade para controlarem a situação e manterem as promessas que fizeram, os americanos antagonizaram a população no seu todo. A resistência não se limita a uns milhares de ativistas. Setenta e cinco por cento da população apoia-nos e ajuda-nos, directa e indiretamente, voluntariamente fornecendo informações e escondendo pessoas e armas. E isto apesar de muitos civis serem apanhados como danos colaterais nas nossas operações contra a coligação e os colaboracionistas."

Quem é que eles vêem como "colaboracionistas" ?

"Qualquer iraquiano ou estrangeiro que trabalhe com a coligação é um alvo. Ministros, mercenários, tradutores, homens de negócios, cozinheiros ou empregadas de limpeza, o grau de colaboração não importa. Assinar um contrato com o ocupante equivale a assinar a certidão de óbito. Iraquianos ou não, são traidores. Não se esqueçam de que estamos em guerra."

Os meios de dissuasão da resistência provocaram uma redução incessante da lista de candidatos a postos-chave no governo proposto pela coligação, e isto num país assolado por 13 anos de bloqueio e duas guerras, onde o desemprego se tornou um problema crucial.

O caos ambiente não é a única razão para as pessoas evitarem retomar as suas actividades profissionais.

Se os americanos, rapidamente ultrapassados por toda a situação, viessem a tomar a decisão de reintegrar ex-membros do partido Baas (polícias, agentes secretos, militares, quadros do ministério do petróleo), isso não se aplicaria a toda a gente.

A maior parte das vítimas do decreto de 16 de Maio de 2003 do administrador Paul Bremer que institui a des-baasificação do Iraque são ainda clandestinas.


A rede
Essencialmente composta por baasistas (sunitas e chiitas), a resistência agrupa actualmente "todos os movimentos de luta nacional contra a ocupação, sem distinção confessional, étnica ou política. Ao contrário do que vocês, no ocidente, imaginam, não há no Iraque uma guerra fratricida. Temos uma frente unida contra o inimigo. De Falluja a Ramadi, e incluindo Najaf, Kerbala e os subúrbios chiitas de Bagdad, os combatentes falam a uma só voz.
Tal como o jovem dirigente chiita Muqtada al-Sadr que é, como nós, a favor da unidade do povo iraquiano, multiconfessional e árabe. Nós apoiamo-lo numa perspectiva táctica e logística."
Cada região do Iraque tem os seus próprios combatentes e cada facção é livre

de escolher os seus alvos e o seu modus operandi.

Porém, à medida que o tempo passa, as suas acções são cada vez mais coordenadas.

Os generais de Saddam insistem na inexistência de rivalidade entre estas diferentes organizações, excepto num ponto: qual delas conseguirá eliminar o maior número de americanos.


Armas escolhidas
"Os ataques são meticulosamente preparados. Não podem demorar mais de 20 minutos e operamos de preferência durante a noite ou de manhã muito cedo para limitar os riscos de atingir civis iraquianos."

Eles antecipam a nossa pergunta seguinte: "Não, não temos armas de destruição maciça. Mas temos mais de 50 milhões de armas convencionais."

Por iniciativa de Saddam, um autêntico arsenal foi escondido por todo o Iraque muito antes do começo da guerra. Não é artilharia pesada, não são tanques, nem helicópteros, mas sim Katyushas, morteiros (a que os iraquianos chamam haoun), minas anti-tanque, lança-granadas a propulsão rocket e outros lançadores rocket russos, mísseis, AK 47 e reservas substanciais de todos os tipos de munições. E a lista está longe de ser exaustiva.
Mas a arma mais eficiente continuam a ser os kamikazes.

Uma unidade especial, composta por 90% de iraquianos e 10% de combatentes estrangeiros, com mais de 5.000 homens e mulheres bem treinados.

Basta-lhes uma ordem verbal para conduzirem um veículo carregado de explosivos.
E se as reservas de armas diminuírem ?

"Não nos preocupa, há já algum tempo que fazemos as nossas próprias armas."
E mais não quiseram revelar.


Assumindo a responsabilidade
Sim, nós executamos os quatro mercenários americanos em Falluja, em Março passado.

Mas os soldados americanos demoraram quatro horas a remover os corpos, quando habitualmente o fazem em menos de 20 minutos.

Dois dias antes, uma mulher recém-casada tinha sido arbitrariamente presa.

Para a população de Falluja isto foi o cúmulo, de modo que exprimiu toda a sua fúria sobre os quatro cadáveres.

"Os americanos fizeram coisas bem piores a prisioneiros iraquianos em vida."
O ataque suicida que, em 22 de Setembro de 2003, provocou a morte de Akila al-Hashimi, diplomata e membro do Conselho de Governo Iraquiano, também foi perpetrado pela resistência, tal como o carro-bomba que matou o presidente do órgão executivo iraquiano, Ezzedin Salim, em 17 de Maio deste ano, à entrada da Zona Verde (nome dado pelos iraquianos à Zona Vermelha, devido ao grande número de ataques da resistência).
São também responsáveis pelo rapto de estrangeiros.

"Sabemos muito bem que o rapto de cidadãos estrangeiros prejudica a nossa imagem, mas tentem compreender a situação. Somos forçados a controlar a identidade das pessoas que circulam no nosso território. Se tivermos provas de que são trabalhadores humanitários ou jornalistas, soltamo-los.
Se forem espiões, mercenários ou colaboracionistas, executamo-los.Nesta matéria, queremos deixar claro, não somos responsáveis pela morte de Nick Berg, o americano que foi decapitado."
Tal como o ataque contra a sede da ONU em Bagdad em 20 de Agosto de 2003: "Nunca demos ordem para atacar as Nações Unidas e tínhamos muita estima pelo brasileiro Sérgio Vieira de Mello [representante especial da ONU que morreu no ataque], mas não é impossível que os autores deste ataque suicida venham de outro grupo da resistência. Como explicamos, nós não controlamos tudo. E não se pode esquecer que as Nações Unidas são responsáveis pelos 13 anos de bloqueio que nós sofremos."
E que dizem do ataque de 27 de Outubro de 2003 contra a Cruz Vermelha em Bagdad ?

"Não tivemos nada a ver com isso, sempre tivemos um grande respeito por essa organização e pelas pessoas que trabalham para ela. Que interesse poderíamos ter em atacar uma das poucas instituições que há muitos anos vem ajudando o povo iraquiano ? Sabemos que o ataque foi reivindicado por gente de Falluja, mas podemos afiançar-vos que esses não fazem parte da resistência. E mais: por razões políticas e económicas, há muitos interessados em nos desacreditar."


O pós-30 de Junho
"A resolução 1546 adoptada em 8 de Junho não é mais do que uma nova teia de mentiras aos olhos de muitos iraquianos. Primeiro, porque acaba oficialmente com a ocupação por tropas estrangeiras mas autoriza a presença de uma força multinacional sob comando americano, sem estipular a data da sua retirada.
Segundo, porque o veto iraquiano quanto às operações militares importantes, exigido pela França, pela Rússia e pela China, foi rejeitado. Washington limitou-se a conceder uma vaga noção de partenariado com a autoridade iraquiana e nada estabeleceu para o caso de desacordo. Os iraquianos não são parvos; a manutenção das tropas americanas no Iraque para além do 30 de Junho e o orçamento suplementar que conseguiram do Congresso não deixam dúvidas sobre quem realmente manda no país."

Que dizem acerca de um possível papel da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)? "Se a OTAN intervier, não é para ajudar o nosso povo, mas sim para ajudar os americanos a saírem deste atoleiro. Se eles quisessem o nosso
bem-estar, deviam ter-se manifestado antes",
dizem os três oficiais enquanto vão olhando para os relógios.

É tarde e já excedemos longamente o tempo que nos foi concedido.
"Aquilo que as tropas americanas não conseguem fazer hoje, não são as tropas da OTAN que conseguirão mais tarde. É preciso que todos saibam: tropas ocidentais serão consideradas pelos iraquianos como ocupantes. Isto é algo em que George W. Bush e o seu fiel amigo Tony Blair têm de pensar muito bem.
Se é certo que ganharam uma batalha, também é certo que ainda não ganharam a guerra. A grande batalha ainda está para começar. A libertação de Bagdad não está longe."

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Posted by tmi-ap-a

outubro 18, 2004

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