Os traumas das crianças iraquianas
25 de Dezembro de 2006
adaptado de um artigo de Dahr Jamail / Inter Press Service
Fonte: IPS
Ahmed Ghazi, comerciante em Faluja, tem fracas razões para armazenar brinquedos inocentes na sua loja.
“É melhor importarmos brinquedos como armas e tanques porque no Iraque são mais vendidos aos rapazes, diz Ghazi à IPS.
“As crianças tentam imitar o que vêem das suas janelas”.
E acrescenta haver também importações especiais para as raparigas, “que preferem bonecas que choram do que outras que dançam, cantam canções ou tocam música.”
O investigador social Nuha Khalil, do Instituto Iraquiano para o desenvolvimento da Criança em Bagdad, disse à IPS que as meninas estão agora a expressar a sua tristeza reprimida, representando o papel de uma mãe preocupada que cuida da sua filhinha.
“Olhando em volta, elas vêem apenas mulheres de luto que perderam os seus entes queridos”, disse Khalil.
“A nossa tarefa de dar conforto a estas meninas e remediar os danos que elas carregam é praticamente impossível”.
Centenas de milhares de crianças enfrentaram qualquer espécie de trauma.
E, para outras, a falta de uma vida normal é, por si mesma, já um trauma enorme.
A falta de entretenimento está a desenvolver uma série de problemas.
Há apenas 10 cinemas em Bagdad e dois parques públicos – destruídos – não sendo minimamente seguros para as crianças.
As crianças não podem brincar na rua e, mesmo em casa, também já não estão seguras.
As Nações Unidas estimam que mais de 100.000 iraquianos fogem do país todos os meses.
O número de iraquianos a viver noutros países árabes é agora superior a 1 milhão e 800 mil.
De acrescentar que, dentro do Iraque, há mais de 1 milhão e 600 mil deslocados.
A Organização Internacional para os Refugiados afirma que o número crescente de pessoas a fugir do Iraque significa que esta crise de refugiados pode, em breve, ultrapassar a de Darfur.
E as crianças sofrem mais por partir e sofrem também ainda mais nos locais para onde forem.
“Crianças sem lar têm tendência a ser rudes e a isolarem-se no novo ambiente e dos novos colegas, diz Hayam al-Ukaili, directora de uma escola primária.
“Não se integram no novo ambiente como deveriam. É como se sentissem que isso lhes é imposto e portanto rejeitam-no simplesmente”.
Professores e assistentes sociais afirmam que as crianças começaram a alimentar um forte ódio aos Estados Unidos.
Já não vêem nos EUA a imagem de uma boa vida.
“As crianças perderam a esperança nos EUA e o governo do Iraque tem contribuído para piorar essa situação”, diz Abdul Wahid Nathum, em Bagdad, um investigador de uma ONG iraquiana que presta apoio a crianças.
“A sua compreensão dos acontecimentos em curso é incrível”, diz ele.
“Provavelmente acontece assim porque os membros mais velhos da família continuam a falar de política e a ver as notícias. Ao falar-se com uma criança de 12 anos, fica-se surpreendido pela quantidade enorme de notícias terríveis que ela tem na cabeça, o que não é correcto, nem saudável.”
“As crianças são as mais afectadas pelos acontecimentos trágicos”, diz, em Faluja, o psicoterapeuta Dr. Khali al-Kubaissi.
“As sua frágeis personalidades não conseguem enfrentar a perda de um pai, de uma mãe ou da casa de família, acontecimentos sempre acompanhados por grande horror. O resultado é catastrófico e as crianças do Iraque estão em perigo sério de cair na solidão ou na violência”.
As dificuldades das crianças são particularmente notórias este ano.
“As únicas coisas que têm nas mentes são armas, balas, morte e medo da ocupação norte-americana,” diz aos repórteres Maruan Abdullah, porta-voz da Associação de Psicólogos do Iraque, aquando da apresentação de um estudo, em Fevereiro deste ano.
O relatório adverte que “ as crianças no Iraque, sujeitas à insegurança extrema em que vivem, nomeadamente com medo de raptos e de explosões, estão a sofrer sérios danos do ponto de vista psicológico.”
A API inquiriu mais de 1.000 crianças por todo o Iraque, num período superior a quatro meses, e verificou que 92% das crianças examinadas tinham problemas de aprendizagem, largamente atribuídos ao clima de medo e insegurança em que vivem.
Com quase metade da população do Iraque abaixo dos 18 anos, o impacto da ocupação, violenta e caótica, é devastador.
Três guerras desde 1980, uma crise de refugiados de proporções impressionantes, a perda de familiares, ataques suicidas, carros bomba e a constante ameaça de invasão das casas pelos soldados ocupantes ou pelos pelotões da morte significam que os jovens iraquianos estão destroçados, tanto do ponto de vista físico como mental.
Nos princípios de Abril de 2003, o Fundo das Nações Unidas para as Crianças estimou que meio milhão de crianças iraquianas estão traumatizadas pela invasão levada a cabo pelos Estados Unidos.
A situação tem piorado terrivelmente desde então.
Num relatório publicado no início do ano pelo Ministro da Educação do Iraque, constata-se que foram mortas 64 crianças e 57 ficaram feridas em 417 ataques a escolas, num período de quatro meses.
Ao todo foram raptadas 47 crianças no seu caminho de ou para casa, durante este mesmo período
Tradução do inglês: TMI-AP (GM)
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