quarta-feira, 11 de julho de 2007

EUA AMPLIAM GUERRA DE INFORMAÇÕES

Noticiário - Seleção Diária de Notícias Nacionais 11/Julho/2007
Folha de São Paulo
Assunto: Mundo
Título: 1l EUA ampliam guerra de informações
Data: 12/02/2006
Crédito: JEFF GERTH, CARLOTTA GALL e RUHULLAH KHAPALWAK, DO NEW YORK TIMES
Washington estabelece extensa operação para disseminar notícias boas a seu respeito em lugares hostis
O centro de mídia em Fayeteville, Carolina do Norte, seria o orgulho de qualquer empresa global de comunicações. Em estúdios dos mais modernos, produtores preparam o misto diário de música e notícias para as estações de rádio do grupo, além de spots para emissoras de televisão amistosas. Redatores que preparam jornais e revistas para sair em Bagdá ou Cabul conversam entre si por teleconferência. Trailers contendo equipamentos de alta tecnologia estão estacionados do lado de fora, prontos para a próxima crise.--------------------------------------------------------------------------------"Se você invade um país, derruba seu governo e ocupa seu território, precisa informar o porquê disso. Isso requer comunicação bem pensada." --------------------------------------------------------------------------------O centro não faz parte de uma organização noticiosa, mas sim de uma operação militar. Os redatores e produtores são militares. A unidade de operações psicológicas sediada em Fort Bragg, com 1.200 profissionais, produz o que seus oficiais descrevem como "mensagens verdadeiras" para dar apoio aos objetivos do governo americano, embora seu comandante reconheça que as matérias que produz são unilaterais e que o patrocínio americano delas é mantido em sigilo.
"Chamamos nossa produção de informação, e a do inimigo, de propaganda", disse o coronel Jack N. Summe, o então comandante do 4º Grupo de Operações Psicológicas, durante viagem em junho.
Mesmo no Pentágono, disse ele, alguns profissionais de assuntos públicos os enxergam "sob ótica desfavorável", "como trapaceiros sujos e mentirosos".
A revelação recente de que um empresário a serviço do Pentágono no Iraque pagou a jornais para publicarem artigos de "boas notícias" escritos por soldados americanos provocou ultraje em Washington, onde parlamentares disseram que a prática prejudica a credibilidade americana, enquanto altos funcionários militares e da Casa Branca afirmavam não ter qualquer conhecimento dela.
Mas o trabalho da empresa em questão, o Lincoln Group, não era uma operação irregular.
Na tentativa de contrabalançar o sentimento antiamericano onipresente no mundo muçulmano, a administração Bush vem conduzindo uma guerra da informação que é cara, ampla e muitas vezes oculta, segundo documentos e entrevistas com empresas contratadas e autoridades governamentais e militares.
No Iraque e no Afeganistão, alvos da maioria dessas atividades, o setor militar americano opera jornais e estações de rádio, mas não revela as conexões americanas desses veículos.
Estes produzem materiais jornalísticos que às vezes são creditados ao "Centro Internacional de Informações", uma organização impossível de ser rastreada.
O grupo Lincoln diz que já plantou mais de mil artigos na imprensa iraquiana e árabe e publicou editoriais num site iraquiano, conforme mostram documentos do Pentágono.
Para um projeto amplo de persuasão oculta em países vizinhos, o Lincoln traçou planos -que acabaram rejeitados- para um jornal clandestino, programas jornalísticos na TV e uma comédia antiterrorista baseada em "Os Três Patetas".
Oficiais militares disseram que, como o grupo Lincoln, algumas unidades de operações psicológicas do Exército às vezes pagam para transmitir sua mensagem, oferecendo a estações de TV dinheiro para colocar no ar segmentos que não serão atribuídos a elas, ou então pagando redatores para escrever artigos de opinião para sair em jornais.
"Não queremos que alguém olhe o produto, discirna a ação do governo americano e perca o interesse em razão disso", disse o coronel James Treadwell, que dirigiu o apoio a operações psicológicas no Comando de Operações Especiais em Tampa.
A Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) ocasionalmente também mascara suas atividades. Ela financia cerca de 30 estações de rádio no Afeganistão, mas não informa os ouvintes desse fato.
A agência já distribuiu no Iraque e no Afeganistão dezenas de milhares de aparelhos de áudio do tipo iPod que tocam mensagens cívicas prontas, mas a distribuição é feita através de uma empresa que promete "não deixar transparecer rastros dos EUA".
Para a administração Bush, transmitir sua mensagem é crucial.
Mas é algo imensamente difícil, em vista da hostilidade aos EUA amplamente difundida no mundo muçulmano.
Os produtores de mensagens americanas que relutam em identificar seu papel citam fatos constatados pelo Pentágono, institutos de pesquisas e outras fontes que ressaltam os problemas fundamentais de credibilidade que os EUA enfrentam no exterior.
Os defensores das campanhas de influência afirmam que estas são eticamente corretas e podem exercer um impacto positivo.
"As operações psicológicas constituem uma parte essencial da guerra, mais ainda na era eletrônica", ponderou o tenente-coronel Charles Krohn, ex-porta-voz do Exército e professor de jornalismo.
"Se você vai invadir um país, derrubar seu governo e ocupar seu território, precisa informar a sua população o porquê disso. Isso requer um programa de comunicações bem pensado".
Outros, porém, avisam que batalhas de informação travadas por baixo do pano podem ter efeitos contrários aos desejados ou podem revelar-se ineficazes.
A notícia de que as Forças Armadas americanas estavam comprando influência foi recebida com indiferença em Bagdá, onde os leitores tendem a ter atitude cética em relação à mídia.
Um diário iraquiano, "Azzaman", queixou-se em editorial de que a campanha de propaganda paga constitui um esforço do governo americano "para humilhar a imprensa independente nacional".
Muitos iraquianos dizem que, em razão das condições duras impostas pela ocupação militar americana, dinheiro nenhum gasto na tentativa de moldar a opinião pública terá grande impacto, por maior seja o valor investido.
Embora os EUA não proíbam a distribuição de propaganda do governo no exterior, o Gabinete de Responsabilidade Governamental (GAO), em relatório recente, disse que a ausência de crédito atribuído pode prejudicar a credibilidade de noticiários.
Em seu parecer em que considerou inapropriada a divulgação de releases noticiosos em vídeo produzidos pela administração Bush e que apareceram na televisão americana, o GAO disse que esses releases "deixaram de ser puramente factuais" "devido à ausência do fato essencial da atribuição do crédito" pelo material.
Depois que o 11 de Setembro forçou muitos americanos a reconhecer a precariedade da reputação de seu país no mundo árabe, a administração Bush decidiu entrar em ação para melhorar a imagem do país.
Boa parte da máquina de informações do governo, incluindo a Agência de Informações dos EUA e alguns programas da CIA, foi desmantelada após a Guerra Fria.
Nessa luta com a URSS, os guerreiros da informação se beneficiaram da percepção de que os EUA estavam ajudando vítimas de governos tirânicos.
Muitos muçulmanos hoje vêem Washington como demasiado próximo de regimes autoritários, como na Arábia Saudita e no Egito.
A Casa Branca procurou a ajuda de John Rendon para ajudar a influenciar públicos estrangeiros. Rendon dirige uma companhia de comunicações em Washington e, antes da Guerra do Afeganistão, ajudou a montar centros a partir dos quais os EUA podiam dar respostas rápidas em órgãos de imprensa estrangeiros a acusações do Taleban.
O grupo Rendon tinha um histórico de trabalhos passados para o governo em regiões problemáticas do mundo.
Nos anos 90 a CIA contratou Rendon para, secretamente, ajudar o nascente Congresso Nacional Iraquiano a lançar uma campanha de relações públicas contra Saddam Hussein.
Ao mesmo tempo em que assessorava a Casa Branca, Rendon fechou com o Estado-Maior Conjunto um contrato de US$ 27,6 milhões para criar grupos de discussão de notícias e análise jornalística de organizações noticiosas como a rede Al Jazira.
Mais ou menos na mesma época a Casa Branca contratou Jeffrey Jones, um ex-coronel que havia dirigido o grupo de operações psicológicas de Fort Bragg, para coordenar a nova guerra da informação.
Jones chefiou um comitê secreto -cuja existência não tinha sido revelada até agora- que cuidava de tudo, desde a diplomacia pública, que abrange educação, assistência e programas de intercâmbio, até operações sigilosas de informação.
O grupo chegava a examinar as palavras do presidente.
Preocupados com a possibilidade de Bush provocar o repúdio de muçulmanos no exterior, membros do comitê tentaram, em vão, impedir Bush de encerrar seus discursos com a frase "Deus abençoe a América".
Empurrão
Com quase US$ 100 milhões em ajuda americana, a mídia iraquiana cresceu substancialmente desde a queda de Saddam.
Cerca de 200 jornais e entre 15 e 17 televisões de propriedade iraquiana operam no país. Muitos, porém, são vinculados a partidos políticos e são abertamente partidários, adotando posturas pró ou antiamericana rígida.
Alguns publicam boatos, meias-verdades ou mentiras declaradas.
O grupo Lincoln trabalha para divulgar a mensagem dos militares americanos desde seu escritório na base de Camp Victory.
Os funcionários da empresa trabalham lado a lado com soldados.
Oficiais do Exército supervisionam o trabalho do Lincoln e exigem ver detalhes dos custos e da inserção dos artigos, contou um dos ex-funcionários, falando sob a condição do anonimato. "Quase nada do que fazíamos podia passar sem a aprovação do comando", disse o ex-funcionário.
Os funcionários pegavam despachos noticiosos escritos por militares, traduziam-nos para o árabe e os distribuíam por jornais locais.
O Lincoln contratou ex-jornalistas árabes e pagava agências de publicidade para inserir os materiais em veículos da imprensa.
Normalmente o grupo pagava aos jornais entre US$ 40 e US$ 2.000 para publicar os artigos como notícia ou publicidade, conforme documentos obtidos pelo "New York Times".
De acordo com documentos do Pentágono, mais de mil artigos saíram em até 15 jornais iraquianos e árabes.
As publicações não revelaram a seus leitores que os artigos tinham sido gerados pelos militares.
Um funcionário da empresa fazia visitas freqüentes ao centro de convenções de Bagdá, ponto de encontro da imprensa iraquiana, para recrutar jornalistas dispostos a escrever e inserir artigos de opinião.
A companhia pagava aos jornalistas entre US$ 400 e US$ 500 mensais.
Como os despachos produzidos em Fort Bragg, esses "storyboards" eram unilaterais e otimistas.
Cada um tinha um público alvo -por exemplo, "xiitas" ou "iraquianos em geral"-, um tema subjacente, como "antiintimidação", "sucesso e legitimidade das forças de segurança iraquianas", e um jornal alvo.
Artigos escritos pelos soldados de Camp Victory muitas vezes eram redigidos na voz de iraquianos.
"Nós, iraquianos, somos o governo. Este é nosso país", dizia um artigo.
Outro dizia: "É chegada a hora de os iraquianos comuns se unirem -você, eu, nossos vizinhos, familiares e amigos".
Enquanto alguns dos artigos eram relatos exaustivos, repletos de jargão militar e burocrático, outros optavam pela linguagem dos tablóides: "apóstatas sanguinários", "arrastaram-se sobre os estômagos, como cães se arrastando na lama", "fanáticos de cérebro pequeno", "rei do terror".
Um ex-funcionário do Lincoln disse que a tentativa de fazer com que os artigos parecessem ter sido escritos por iraquianos, removendo "impressões digitais" americanas, não foi muito bem-sucedida.
"Muitos iraquianos sabem que aquilo vem dos EUA", disse ele.
Documentos do Pentágono dizem que as Forças Armadas americanas vêm buscando ampliar sua influência de mídia para além do Iraque, chegando aos países vizinhos, como Arábia Saudita, Síria e Jordânia.
O esforço de mídia do Pentágono no Afeganistão começou pouco após a derrubada do Taleban. Num ambiente que antes era árido e parco em matéria de mídia, hoje operam 350 revistas e jornais e 68 TVs e estações de rádio.
Nem todos são independentes.
Os EUA vêm fornecendo dinheiro para subsidiar a mídia, além de formação para jornalistas e porta-vozes governamentais.
Mas boa parte do papel dos EUA permanece escondido dos leitores e do público locais.
O Exército americano publica no Afeganistão um jornal "irmão", também intitulado "Paz". Uma análise feita dos números do jornal revelou que ele não publicou más notícias.
"Não temos obrigação de nos pautar pelos princípios jornalísticos da objetividade", disse Summe, o especialista do Exército em operações psicológicas.
"Contamos o lado americano da história a públicos-alvo aprovados".
Nem a estação de rádio nem o jornal revelam seus vínculos com as forças americanas.--------------------------------------------------------------------------------Tradução de Clara Allain

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