domingo, 1 de julho de 2007

UMA MISSÃO PERDIDA


“Poucas lágrimas caíram no Afeganistão e no mundo quando os Talibãs foram derrubados, as esperanças que emergiram através da demagogia ocidental também não duraram muito. Cedo se tornou claro que a nova e transplantada elite açambarcaria a fatia de leão da ajuda estrangeira dentro das suas próprias redes criminosas de corrupção. O povo sofreu” Tariq Ali* - 19.06.07

O fracasso no Afeganistão fez ressuscitar os Talibãs e agora, depois de seis anos de ocupação, não existe maneira de a NATO ganhar esta guerra.Estamos no sexto ano da ocupação – apoiada pelas Nações Unidas – do Afeganistão, uma missão conjunta Estados Unidos/União Europeia.
Em 27 de Fevereiro sucedeu o que alguns dizem ter sido uma tentativa de assassinato de Dick Cheney por bombistas suicidas Talibãs, enquanto ele visitava a “segura” base aérea de Bagram (noutros tempos uma igualmente “segura” base aérea soviética durante o conflito anterior). Este episódio por si só deveria ter concentrado o pensamento do vice-presidente estado-unidense na escala do embate afegão.
Em 2006 a taxa de baixas subiu substancialmente e as tropas da NATO perderam 46 soldados em confrontos com a resistência Islâmica e em derrubes de helicópteros.Os insurrectos agora controlam pelo menos 20 distritos nas províncias de Kandahar, Helmand e Uruzgan, onde as tropas da NATO substituíram os soldados estado-unidenses. E dificilmente podemos considerar um segredo o facto de muitos oficiais afegãos nestas zonas serem apoiantes infiltrados dos combatentes guerrilheiros.
A situação está fora de controlo.
No início desta guerra a senhora Bush e a senhora Blair apareceram em numerosos programas de TV e de Rádio alegando que o objectivo da guerra era libertar a mulher afegã. Tentem repetir isso hoje e as mulheres lhes cuspirão na cara.Quem é responsável por este desastre? Porque está o país ainda subjugado? Quais são os objectivos estratégicos de Washington na região? Qual é a função da NATO? E por quanto tempo pode um país estar ocupado contra a vontade do seu povo?Poucas lágrimas caíram no Afeganistão e no mundo quando os Talibãs foram derrubados, as esperanças que emergiram através da demagogia ocidental também não duraram muito.
Cedo se tornou claro que a nova e transplantada elite açambarcaria a fatia de leão da ajuda estrangeira dentro das suas próprias redes criminosas de corrupção. O povo sofreu.Uma casa artesanal (mud cottage) com um telhado de palha para albergar uma família de refugiados custa menos de 5.000 dólares. Quantas destas casas foram construídas? Quase nada.
Existem relatos de centenas afegãos sem abrigo morrendo de frio a cada inverno.Em vez disso uma eleição rapidamente orquestrada foi organizada com um alto custo por empresas de Relações Públicas (RP), essencialmente para benefício da opinião pública ocidental. Os resultados falharam em reunir apoios para a presença da NATO no país. Hamid Karzai, o presidente fantoche, demonstrou o seu próprio isolamento e instinto de auto-preservação ao recusar ser protegido por uma equipa de seguranças da sua própria etnia Pachtun. Ele queria uns fuzileiros estado-unidenses (marines), duros, estilo Terminator e foi lhe concedido o pedido.
Poderá o Afeganistão ser feito mais seguro com uma intervenção limitada estilo Plano Marshall? Claro está que é possível que a construção gratuita de escolas e hospitais, casas subsidiadas para os pobres e a reconstrução da infra-estrutura social que foi destruída com a retirada das tropas soviéticas em 1989 poderiam estabilizar o país. Para isso seria também necessário uma ajuda estatal à agricultura e à indústria da habitação para reduzir a dependência no cultivo da papoila – 90% da produção mundial de ópio é baseada no Afeganistão.
Estimativas das Nações Unidas sugerem que a heroína contabiliza 52% do PIB (Produto Interno Bruto) desse pobre país e que o sector do ópio da agricultura continua a crescer a bom ritmo. Tudo isto requereria um estado forte e uma outra ordem mundial. Somente um utópico levemente amalucado poderia esperar que os países da NATO, ocupados a privatizar e desregulamentar os seus próprios países, iriam agora embarcar numa esclarecida experiência social além fronteiras.E então a corrupção da elite cresceu como um tumor não-tratado. Os fundos ocidentais destinados à ajuda à reconstrução foram desviados para a construção de luxuosas vivendas para as autoridades locais. No segundo ano da ocupação surgiu um enorme escândalo habitacional. Ministros do governo premiaram-se a si mesmos e favoreceram clientes políticos com habitações de primeira categoria em Cabul onde os preços do território alcançaram um ponto alto depois da ocupação, porquanto os ocupantes e os seus colaboradores locais tinham de viver no estilo em que se haviam acostumado. Os colegas de Karzai construíram as suas largas mansões protegidos pelas tropas da NATO e com vista privilegiada para a miséria.Acrescente-se a isto que o irmão mais novo de Karzai, Ahmad Wali Karzai, tornou-se um dos maiores barões de droga no país. Num encontro recente com o presidente paquistanês, quando Karzai estava a criticar a incapacidade do Paquistão de pôr termo ao contrabando transfronteiriço, o general Musharraf sugeriu que talvez Karzai devesse como demonstração exemplar, colocar o seu irmão sob controlo.Enquanto as condições económicas fracassaram em melhorar, os ataques militares da NATO frequentemente atingiram civis inocentes levando a violentos protestos anti-norte-americanos na capital afegã, no último ano.
O que era inicialmente visto por alguns locais, como uma necessária acção policial contra a al-Qaeda depois dos ataques de 11 de Setembro, é agora percebido por uma crescente maioria de toda a região como uma ocupação imperial completamente instalada.
Os Talibãs estão a crescer e a criar novas alianças não por causa das suas práticas sectárias religiosas se terem tornado populares, mas sim por causa de eles serem a única frente disponível para a libertação nacional. Tal como os britânicos e os russos descobriram no século passado, para seu infortúnio, os afegãos nunca gostaram de ser ocupados.Não existe qualquer maneira de a NATO ganhar esta guerra agora. Enviar mais tropas levará a mais mortes. E as batalhas de larga escala vão destabilizar o vizinho Paquistão. Musharraf já sentiu o ódio do povo por um ataque aéreo a uma escola muçulmana no Paquistão.
Dezenas de crianças foram assassinadas e os islamitas do Paquistão organizaram massivos protestos de rua. Fontes paquistanesas (insiders) sugerem que o ataque “preventivo” foi, de facto conduzido por aviões de guerra estado-unidenses que estariam alvejando uma suposta base terrorista, mas o governo paquistanês preferiu assumir a responsabilidade para evitar uma explosão de fúria anti-norte-americana.
O fracasso da NATO não pode ser atribuído ao governo paquistanês. Se tumulto criou, esta guerra no Afeganistão causou uma situação critica em duas províncias paquistanesas. A maioria Pachtun do Afeganistão sempre teve laços de amizade com os seus companheiros Pachtuns do Paquistão. A fronteira foi uma imposição do império Britânico que foi sempre porosa. Vestido de roupas típicas dos Pachtuns, eu próprio cruzei a fronteira em 1973 sem nenhuma restrição. É virtualmente impossível construir uma cerca Texana ou um muro Israelita ao longo de uma fronteira montanhosa e largamente não cartografada de 2.500 km que separa os dois países.
A solução é política e não militar.
Os objectivos estratégicos de Washington no Afeganistão parecem ser inexistentes, a não ser que eles precisem de disciplinar os aliados europeus que os traíram no Iraque.
É verdade, os líderes da al-Qaeda ainda estão ‘a monte’, mas a sua captura será o resultado de um trabalho policial efectivo, não vai ser o resultado da guerra e da ocupação. Qual vai ser o resultado da retirada da NATO?
Aqui o Irão, o Paquistão e os estados centro-asiáticos serão vitais para garantir uma constituição confederal que respeite a diversidade étnica e religiosa.
A ocupação da NATO não tornou esta tarefa fácil. O seu fracasso fez renascer os Talibãs e existe um crescendo de unificação dos Pachtuns em volta deles.A lição aqui, tal como no Iraque, é uma lição básica. É muito melhor para o objectivo de mudança de regime, que este venha desde baixo, nem que isso signifique uma longa espera como na África do Sul, na Indonésia ou no Chile.
As ocupações interrompem a possibilidade de uma mudança orgânica e criam uma muito maior bagunça do que a que existia antes. O Afeganistão é só um exemplo.As declarações do ministro de relações exteriores italiano de que esta é uma guerra justa porque é legal, ou seja, aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), são um argumento fraco.
O CSNU não é eleito ou supervisionado pela Assembleia Geral das Nações Unidas e está sob o domínio férreo de cinco estados que foram os vencedores da segunda guerra mundial. As suas posições não reflectem as visões da maior parte dos continentes. Se os EUA tivessem conseguido torcer o braço do CSNU para o apoio à guerra contra o Iraque, teria Massimo D'Alema então ficado a favor da ocupação desse país?
A única pergunta que necessita ser feita é se soldados Europeus devem ou não ser enviados para matar e ser mortos em nome da preservação da hegemonia do Império Norte-americano.
Este artigo foi originalmente publicado in The Guardian
Tradução de Luís Rocha

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