Há registros de que a resistência no Iraque está crescendo em tamanho e espalhando-se na sua capacidade de operar em um número cada vez maior de províncias, florescendo em muitas partes do território iraquiano.
De acordo com os EUA, isto decorre da intervenção de combatentes estrangeiros.
Na realidade, trata-se da recuperação do nacionalismo e da dignidade iraquianos. Enquanto a ocupação e seu governo lacaio continuam a encarcerar indiscriminada e massivamente cidadãos iraquianos suspeitos de manter elos com a resistência, parecem não ter a habilidade de quebrar as diferentes expressões iraquianas: armada, política e popular ou minar a simpatia que a Resistência Iraquiana desfruta entre a população. Diariamente, mesmo os mais amplos movimentos de opinião expressam sua rejeição à ocupação e seu governo títere.
A despeito do gasto de bilhões na implantação da guerra e em sua propaganda, como os planos do imperialismo dos EUA fracassaram no Iraque ?
Em primeiro lugar, seu fracasso é devido à incapacidade do governo dos EUA de reconhecer a impossibilidade de dividir o Iraque em Estados menores em conflito.
A nova aventura neocolonialista e erros de cálculos estão baseados em vários fatores, incluindo tomar seus desejos como se fossem realidade, sua confiança cega e isolada na força militar para alcançar seus propósitos, a obtenção de informações de alguns exilados iraquianos, marginais e alienados, e negação de estudar as características históricas, culturais e sociais do país que almejavam invadir e controlar.
Previamente à invasão e por todos estes desastrosos anos de ocupação, os EUA subestimaram a força do povo iraquiano e seu nacionalismo e cultura arraigados, que se uniram para enfrentar os planos imperialistas dos EUA com uma resistência imperturbável que emana de todos os estratos da sociedade iraquiana, inclusive das supostas bases aliadas.
Ingenuamente os EUA pensaram que poderiam usar a riqueza da sociedade iraquiana , caracterizada pelo seu cosmopolismo histórico e multiconfessionalismo, na tentativa de dividi-la sectariamente em muitas linhas, com a finalidade de controlar toda a sociedade iraquiana.
Os EUA estão correndo atrás de uma miragem.
O Iraque através de milhares de anos é composto por inúmeras etnias e religiosidades que convivem em solidariedade entre si, não importando suas diferenças: os cristãos, os sabbits, os yeziidies são igualmente ligados ao Iraque enquanto muçulmanos, e são tão iraquianos quanto os irmãos muçulmanos.
Todos os iraquianos, quaisquer que sejam suas etnias, religiões ou grupos sociais, são descendentes de sucessivas civilizações iraquianas e de sua história.
Os valores da vida comum na região geográfica chamada Iraque ou Mesopotâmia os unifica.
Aqueles que conhecem o Iraque, sua unidade árabe-muçulmana e sua história, estão conscientes de que aqueles que desejam dividir o Iraque e subjugá-lo à vontade de potências estrangeiras serão confrontados pelas forças milenares de uma sociedade unida, além dos interesses geopolíticos de sua região e da constituição da sua sociedade.
Nunca na história duas nações puderam co-habitar a bacia geográfica que agora se chama Iraque.
Sempre foi interesse do povo iraquiano se estabelecer nesta bacia, todas as sucessivas civilizações uniram-se num futuro geopolítico comum.
Se, no passado, os dois rios foram os fatores de união de todos os aspectos da vida da nação iraquiana, agora somam o papel dos interesses culturais, geopolíticos e da propriedade comum de uma terra e suas riquezas.
É verdade que há no Iraque diversos grupos políticos que se opunham à liderança do governo iraquiano antes da invasão e da destruição do Iraque.
Eles têm, como qualquer oposição, o direito de ser contrários ao governo nacional. Entretanto, alguns se apresentaram como colaboradores do imperialismo norte-americano e de seus aliados e do seu plano criminoso de dividir a terra, tanto por ignorância, ganância, ou por razões sectárias ou pessoais.
Eles serão atirados juntamente com os idealizadores deste plano no refugo da história. Ignoram que a relação antiga e complexa do Iraque com sua identidade e suas relações comuns com as nações vizinhas, assim como a experiência contemporânea com relação a políticas imperialistas, em direção ao progresso e ao desenvolvimento, especialmente os EUA após enfrentar 13 anos de sanções com vistas a incapacitar o Iraque.
Ao contrário destes grupos sectários, a própria população, independentemente de sua opção religiosa, étnica ou tendência política, já provou sua heróica resistência contra a tentativa de dividir o Iraque, e seu favorecimento à unidade e à integridade da nação iraquiana.
O Iraque está numa área que costumava ser chamada Mesopotâmia .
Todos os iraquianos são filhos e filhas desta história e são herdeiros de todas as civilizações que emergiram desta terra.
Onde os sumérios inventaram a escrita, os babilônios inventaram a lei; os assírios unificaram a região, seguidos pelos Abbasid que introduziram o avanço do “Estado de todos os cidadãos” e da solidariedade social, abrindo o caminho para a unificação da civilização árabe-muçulmana que sobrevive orgulhosamente até os nossos dias.
Desde então, o Iraque é baseado não na etnia ou na religião ou no sectarismo,mas na história iraquiana.
O povo iraquiano é a expressão de sua herança, não importando sua religião ou etnia. Quando o Iraque pude viver em paz e ter um Estado estável, o país provará que pode participar do engrandecimento da cultura humana e do desenvolvimento, criando uma grande civilização e incentivando a ordem regional.
Bagdá é o berço da civilização árabe-muçulmana.
O destino do Iraque continua a ser uma questão daqueles que decidem o destino árabe. Para os iraquianos e os árabes em geral, destruir Bagdá , é uma tentativa de destruir sua memória, sua identidade e seus interesses.
As características geopolíticas do Iraque são e sempre serão uma grande influência na história iraquiana.
Não é surpresa alguma o fato de os EUA escolheram ocupar o Iraque para garantir sua dominação regional e global.
Por meio da ocupação do Iraque, os EUA acreditavam que poderiam controlar toda a região e, por extensão, manter sua hegemonia unipolar.
Em primeiro lugar, o Iraque é um país rico em recursos naturais, seja petróleo, gás ou água.
Em segundo lugar, ele desfruta de uma posição geográfica central na região.
Esta posição sempre foi motivo da cobiça externa.
Nenhuma potência regional pode ser considerada sem o fato de ter feito tentativas de controlar ou enfraquecer o Iraque.
Na verdade, o Iraque é uma encruzilhada.
Seu território fornece a rota e a influência necessárias, para através do Irã, alcançar a Síria, a Jordânia e a bacia do Golfo Árabe.
O Iraque é também o centro de um caminho natural da Turquia ao Golfo e vice versa. Consequentemente, ao mesmo tempo em que o Iraque está no centro dos interesses estrangeiros, a segurança do país, sua estabilidade e unidade são também necessárias para todos estes países.
De fato, a mais leve deterioração das relações entre o Iraque e quaisquer das nações vizinhas, automaticamente prejudicaria a cooperação em toda a região e, por outro lado, qualquer vizinho que pretenda ter hegemonia sobre o Iraque representa um retrocesso para o Iraque e todas as nações vizinhas.
A única equação que serve aos interesses do Iraque é insistir em seu caráter árabe-muçulmano e nas boas e fraternas relações tanto com a Turquia, quanto com o Irã.
Se o Iraque rompesse relações com quaisquer dos seus vizinhos, ele reduziria sua capacidade de se beneficiar de sua posição central, prejudicando a cooperação e o desenvolvimento da infra-estrutura.
O país penalizaria sua indústria e sua agricultura, e cortaria o comércio regional necessário para o seu crescimento e progresso.
Quanto mais seus vizinhos florescerem e progredirem, mais o Iraque poderá ter oportunidades de se desenvolver por meio da cooperação entre eles.
O mito de que o desenvolvimento econômico, social e político da Turquia e do Irã poderia representar um perigo para o Iraque, fica como uma análise superficial e ignorante da relação entre estes Estados, e das leis que regem o desenvolvimento entre os países vivinhos.
De fato, quanto mais o Irã e a Turquia se desenvolverem e mais ricos forem, mais necessitarão de que o Iraque seja estável, próspero e unido.
Para isso, é preciso que o Iraque represente poder de compra de mercadorias e fonte de fatores de produção.
Ninguém pode tirar o Iraque de sua circunstância geopolítica e cultural.
O Iraque não pode ter relações com os EUA, a Rússia , a Europa ou Israel e ignorar os interesses árabe-muçulmanos.
É contra os interesses do Iraque e do povo iraquiano ser um mero protetorado do Irã ou de qualquer outro país.
O sonho de que o Iraque poderia ser subjugado pela ocupação EUA-Irã fracassou.
A livre vontade do Iraque e do povo iraquiano rejeita e rejeitará sempre, por meio de sua cultura e de seus interesses, ser subjugado a qualquer nação estrangeira seja ela regional ou uma superpotência global ou uma combinação entre ambas.
A história provou isso.
De fato, os planos dos EUA de destruir o Iraque enquanto nação e Estado não vão apenas contra os interesses de todos os iraquianos, mas de todas as nações vizinhas.
É uma ilusão, um plano não aplicável e sofre a resistência de todos os estratos da sociedade iraquiana.
Este plano criou tanta instabilidade que tornou impossível controlar, investir ou mesmo explorar os recursos do Iraque.
Ao abrir a porta para toda a sorte de interferência, a ocupação só podia resultar em um crime indescritível contra a humanidade e um desastre militar, econômico, político e moral para a própria ocupação.
O que a ocupação norte-americana e de seus aliados fizeram ao Iraque não apenas constitui crimes de guerra ou contra a humanidade; mas é algo que sempre será lembrado como o primeiro genocídio do século 21 e que o mundo, devido à polarização da mídia, não tem conhecimento de que isso não mudou a realidade que todos os iraquianos já conheciam.
Ao perpetrar um genocídio da civilização do Iraque, os EUA cometeram um suicídio moral.
Se os EUA não tivessem tentado este genocídio, seus planos jamais teriam dado certo. Ao perpetrarem o genocídio, os EUA anunciaram que sua moral estava arruinada e que seus planos não atingiriam o objetivo.
Para dividir o Iraque, uma sociedade com base na antiguidade, que existe há milhares de anos, em três ou mais protetorados fracos e conflitantes, os EUA têm de destruir toda a unidade iraquiana; em outras palavras, conduzir uma política que chega a ser uma ‘tabula rasa', que tem como objetivo toda a destruição do que a circunda, ou seja o Estado, a cultura, a história, a herança material, a sociedade, a sustentabilidade política, as instituições, o exército, os sistemas educacional, de saúde e judicial, a infra-estrutura , as comunicações, a identidade nacional, na verdade toda a essência do Iraque.
Isto interromperia e destruiria a existência de um povo vívido e seus valores morais e arruinaria o país por várias gerações , se não para toda a história.
Destruiria até mesmo a forma física das cidades.
A ocupação não oferece nada ao povo iraquiano além de um projeto organizado de extermínio, baseado na insanidade do “caos criativo”.
Nenhuma estatística pode incorporar a destruição que os EUA provocaram no Iraque. Eles dizimaram o Estado iraquiano e toda a classe popular e a classe média progressista do Iraque que provaram sua capacidade de gerenciar os recursos iraquianos de maneira independente, e de beneficiar a todos, tirando o Iraque da pobreza, da doença, do retrocesso e da ignorância.
A ocupação retrocedeu as liberdades civis de homens e mulheres ao patamar de 50 anos atrás.
Destruindo as garantias sociais, assassinou mais de um milhão de pessoas, além de mandar milhões para o exílio; orquestrou os esquadrões da morte e pilhou o país, inventou novos horrores de tortura e estupro; em nome de trazer a democracia, na verdade a ocupação trouxe a destruição material sobre uma massa popular, tendo como alvo obliterar sua psique, sua cultura, sua memória, seu tecido social, as suas instituições e as formas de administração, comércio e a vida diária. A ocupação atacou até mesmo as gerações ainda não-nascidas do Iraque com a destruição de 4.7 bilhões de urânio enriquecido ao ano.
A ocupação resultou na falência completa dos serviços públicos, indisponibilizando até mesmo os serviços básicos como o fornecimento de água e eletricidade. Num país com um patrimônio de 210 bilhões de barris de petróleo, sob a ocupação os iraquianos sofreram corte nos combustíveis.
A ocupação criou um estado de terror tal que famílias estão confinadas em casa, esperando para serem seqüestradas ou assassinadas a qualquer momento.
As pessoas são sumariamente executadas porque o nome de seu pai é Omar, Hussein ou Jean.
Antes da invasão e da destruição do Iraque, a maioria dos iraquianos sustentavam-se trabalhando em instituições públicas.
O Iraque possuía uma previdência social baseada no entendimento cultural comum a todos no Oriente de que a terra e suas riquezas são propriedade da nação.
Apoiada pelos recursos naturais do país, uma grande parte da população estava empregada nos sistema de saúde e educação, nas indústrias nacionais, e no exército nacional.
Desde a reforma agrária de 1959, seguida pelas nacionalizações de 1964, a classe média orientava o Estado e a sociedade.
Cerca de 70% da população iraquiana vivia nas cidades.
A nacionalização do setor petroleiro em 1971 levou ao aumento da classe média e à elevação dos padrões de vida dos setores mais pobres da população.
O plano de extermínio dos EUA tinha como alvo a destruição da classe media que naturalmente era herdeira da cultura, da ciência, da unidade, da dignidade, da luta por liberdade, o progresso e o desenvolvimento do povo iraquiano.
A ocupação tentou subjugar a classe média para torná-la em uma classe cabalmente feudal, feita de novos e antigos ladrões, seqüestradores, políticos marginais, trazendo de volta os extremistas religiosos, as gangues criminosas e os donos de terra que apareciam e desapareciam na situação criada pela ocupação.
Ficou evidente que mesmo antes da ocupação os EUA e seus aliados estavam correndo atrás de uma quimera.
Por que o povo iraquiano aceitaria e daria as boas vindas a um plano que o privaria de tudo e beneficiaria poucos?
A classe media marginalizada e empobrecida, a classe média instruída, a classe operária, todas perderam os benefícios que estavam implantados nacionalmente.
As mulheres e a juventude que sofreram com o desemprego e a ausência das liberdades civis, todos rejeitam a política dos EUA no Iraque.
Isto mostra que agora e no futuro a luta contra a ocupação nunca mais terá fim até que eventualmente ela seja derrotada com toda a sua política.
Sem a classe media, os EUA não podem construir um Estado que funcione.
A classe média iraquiana, com todas as suas partes incluídas, mais clara e mais ampla, e as classes trabalhadoras rejeitam a ocupação norte-americana e seus planos.
O povo iraquiano está resistindo e continuará a fazê-lo.
Se, devido à sua superioridade em poderio militar, os EUA continuarem a controlar bases como “A Zona Verde”, os iraquianos serão compelidos a continuar vivendo na resistência.
Entretanto, paralelamente, quanto mais tempo os EUA ocuparem o Iraque, mais pagarão com o sangue de seus jovens soldados, muito mais dinheiro será gasto, servindo às necessidades desta máquina de guerra sangrenta, cada vez mais sua imagem e reputação serão prejudicadas por todo o mundo, devido às suas políticas genocidas, e mais os EUA prejudicarão o futuro das suas novas gerações.
Por que todo este desperdício?
Os estrategistas norte-americanos, enquanto constróem o modelo deles para o Iraque, esquecem-se ou não atentam ao fato de que os movimentos sociais estão baseados na realidade sólida e na experiência vívida e não podem ser criados simplesmente pelo capricho de uma decisão política ou por meio de formas insidiosas de pressão por um ataque militar sobre a população pobre.
Pensando que eles poderiam ganhar no Iraque, dirigentes dos EUA consideram que tanques, estrategistas e táticos apenas têm de provar sua arrogância e ignorância.
Eles deveriam ler a história e analisar as realidades objetivas.
Nenhuma força estrangeira jamais será capaz de controlar o Iraque.
O país é pequeno, ma tem uma dignidade enorme, um legado de civilização sofisticado e com raízes na antiguidade e com muita experiência nacional em movimentos patrióticos.
Os EUA não podem mudar a vontade do povo de viver livre e sobrano em sua pátria, e sobre seus recursos naturais, como quaisquer outros povos do mundo.
Eles deviam ter perguntado aos britânicos.
Tradução do inglês por Maria Helena D Eugenio.
Abdul Ilah Albayaty é um analista político que vive na França e Hana Al Bayaty é membro do Comitê Executivo do Tribunal de Bruxelas contra os crimes de guerras. ( http://www.brusselstribunal.org/) (Do Brasil os Diretores do Cebrapaz, Socorro Gomes e José Reinaldo Carvalho, são consultores do Brussel's Tribunal (N.T.)