quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Crimes de guerra
Homenagem ao Iraque
Yasmin Anukit*
Quando digo "homenagem ao Iraque", expresso minha profunda consternação pela agenda criminosa a que tem sido submetida esta terra.
Incluo aí a esperança de que a vitória dos povos do Oriente Médio possa conduzir à liberdade verdadeira e o desejo de que a fênix, um dia, renasça das cinzas.
Afinal, a águia é o emblema do Iraque.
A própria bandeira do país, constituída pelas três cores da "opus magna" (o branco da origem, o vermelho da exaltação e o negro da dissolução), indica a vocação de morrer e renascer infinitamente.
Sedimentando, às margens do Tigre e do Eufrates, a Mesopotâmia e, muitos milênios depois, o Califado, que desde Baghdad, inundaria o mundo, a alma do povo iraquiano sempre demonstrou uma consciência inexaurível das possibilidades de reengendramento da vida e da morte.
O próprio significado das "Mil e Uma Noites" designa o ciclo interminável do eterno retorno. Sobrepondo-se às cores da bandeira brilham as três estrelas verdes (Unidade, Liberdade e Socialismo) e o lema: Allah hu Akbar!"- Deus é Maior - indicando que, além da contingência, Ele permanece.
Alguns mitos falaciosos e equivocados serviram de legitimação arbitrária para a guerra.
Em primeiro lugar, a acusação sobre o uso de "armas químicas".
O Iraque admitiu o uso de armas químicas para pôr fim ao conflito de oito anos com o Irã, no momento em que a infantaria iraniana ameaçava assolá-los.
A verdade é que as potências do primeiro mundo reivindicam o monopólio exclusivo destas armas.
Sob a cobertura da "ameaça química iraquiana" - cujo precedente foi o ataque à aldeia curda de Hallabja, terminantemente negado pelo vice-primeiro ministro Tarik Aziz e pelo professor da Escola Superior de Guerra dos EUA, Stephan Pelletière - oculta-se o crime das Nações Unidas ao aprovar, na guerra do Golfo de 1991, o lançamento de mais de 300 toneladas de urano empobrecido sobre Basra, no sul, levando à morte lenta milhares de pessoas, por câncer, leucemia e deformações várias.
Desde então, o país tem sido bombardeado pela aliança anglo-americana, ininterruptamente, com armas não convencionais.
Além disso, despejou-se sobre as lavouras todo tipo de germes e vírus, contaminando, assim, a agricultura local e a água potável.
Agora vem o "golpe de misericórdia".
Esses bombardeios atingiram as chamadas "zonas de exclusão aérea", contrárias à lei internacional, pois o Iraque teria direito à defesa sobre aqueles 2/3 do território.
Passo a passo, a soberania do país foi minada, com fins à recolonização e redesenhamento do mapa geopolítico do Oriente Médio, sob a hegemonia de Israel.
Ao nacionalizar o petróleo em 1972, o Iraque quis garantir, com isso, sua emancipação econômica, bem como reverter, pelo socialismo, a distribuição da riqueza ao povo, mediante os serviços gratuitos de saúde, medicamentos e educação.
A República Popular Democrática do Iraque, visou, desde a revolução de 68, garantir a seus cidadãos, homens e mulheres, igualdade de direitos, sem distinção confessional ou tribalista, bem como arremessar a vanguarda da luta pela libertação dos povos árabes, incluindo a Palestina.
Tentando evitar isso, a Cia insuflou rebeliões no norte e no sul, para desestabilizar o governo central, aplicando a velha tática de "dividir para reinar".
Dizer que os EUA querem levar a "democracia" ao Iraque é, no mínimo, uma piada.
Sua meta é privatizar a grande estatal iraquiana,fazendo do país, o negócio do século.
O embargo econômico que a ONU ainda permite durar - na verdade, uma guerra biológica, histórica e civilizacional - demoliu sistematicamente todo o progresso que o Iraque havia conquistado antes.
A imagem midiática daquela terra é a de um deserto com poços de petróleo.
Mas ali existem mais de 500 mil sítios arqueológicos e monumentos inestimáveis: Mossul, rica por suas igrejas e mosteiros do século XIII; Najaf e Kerballah, cidades-santuários xiitas, que abrigam tumbas do Imam Ali e Al-Hussein, da família do Profeta, as figuras mais veneradas por todos os muçulmanos.
Cada pedaço do Iraque é uma relíquia onde se sobrepõem camadas imemoriais.
Na última guerra do Golfo, museus foram saqueados, entre eles, o grande Museu de Baghdad, tendo desaparecido milhares de peças de valor incalculável, fato que hoje se repete em proporções catastróficas.
Obras arquitetônicas como o zigurat de Ur, o arco sassânida de Ctesifonte, mesquitas preciosamente talhadas com revestimentos de ouro, universidades seculares, como Al-Mustansiria, tudo tem sido danificado e agora, mais uma vez, agonizam.
O governo pediu a colaboração da Unesco em 1991, mas esta lhe foi negada.
Um trabalho gigantesco foi feito por Saddam Hussein, antes da atual guerra, para esconder e proteger os valiosos tesouros do país - tão importantes quanto os do antigo Egito.
Para Saddam e para o partido Baath (renascimento) - pois seu objetivo é o renascimento da Nação Árabe - as relíquias arqueológicas e os monumentos históricos são o ponto de partida para reivindicar sua identidade cultural.
Hoje vemos a destruição chegar ao ponto culminante.
As ruínas da Babilônia foram arrasadas.
Saqueadores e incendiários (chamados de Ali Baba), comprometidos com os invasores, atearam fogo à Biblioteca Nacional de Baghdad e à Biblioteca de Alcorões, na deliberação criminosa de apagar a memória do Iraque, tanto dos tempos primordiais, como do Islam.
Por detrás do vandalismo ianque, esconde-se o complot milenar do sionismo internacional, que finalmente, após dois mil e quinhentos anos de espera, vai à desforra, vingando-se da destruição de Jerusalém pelo rei Nabucodonosor, hoje comparado a Saddam Hussein.
Isso equivale a jogar o país no "tempo zero", a decapitar, sinistramente, o seu papel na história para beneficiar a nova ditadura da coca-cola.
Pergunta o jornalista Robert Fisk, ( The Independent ): "Quem mandou os incendiários? Quem quer destruir a identidade deste país?"
A ciber-guerra tecnológica contra a terra onde surgiu a escrita e onde o Islã atingiu o apogeu, implica numa "Nova Ordem Mundial" que deseja apagar os vestígios do passado e sabotar seu novo ímpeto.
Lixo radioativo foi reempregado pelo exército invasor.
Um povo antigo, cheio de sentimentos, fé, paixões, ideais e orgulho de suas origens, ainda resiste.
A abaya negra das mulheres do Iraque logo se transformará num símbolo de luto para toda a humanidade.
Mas as raízes do povo da Mesopotâmia estão solidamente cravadas nas fundações do tempo. Esperamos que renasçam ainda.
Já cerca de um ano antes desta guerra, Saddam escreveu: "Os bárbaros desta era desejam aniquilar a ' mãe da civilização'. Digam-lhes numa voz clara e alta: Ó demônios, erradicai vossas abominações contra nós, nosso museu vivo, testemunho e celeiro dos profetas, como Abraão. Digam-lhes para deixar nosso povo construir, construir até o topo e trabalhar para uma cooperação frutífera e pelo amor entre os homens. A despeito das feridas e injúrias lançadas à filha dos árabes (Baghdad), a tocha de luz para a humanidade prevalecerá, sua face esplêndida, cintilante, incandescente na fé, saudável e intocada pela desonra." (Saddam Hussein, 2002, discursos)
Mesopotâmia (1)
Era uma vez, a "terra entre dois rios": um arabesco ornado pelo vento, porto de antigos sonhos e navios... flor consagrada no jardim do tempo!
Tal terra foi chamada "paraíso": bíblico berço incólume da História!
Ali se ergueram torres cujo piso subiu ao alto cume em toda a glória!
Mas o Ocidente bárbaro e hostil, sem leme, sem raízes, nem passado, deitou à areia a água do cantil que à humanidade havia saciado!
É o videogame, a tecnologia rasgando a alma árabe, a mais secreta, é essa cultura da selvageria que abafa a voz eterna do Profeta!
O grito da Jihad, então, virá... e todo o mundo islâmico há de inflamar: "Meu sangue e vida dou por Baghdad!" Deus é Maior! "Allah hu Akbar!"
E os Anjos do Senhor, em altos brados, irão abrir as portas de Babel(2), louvando o sangue mártir derramado dos fedayin(3) em luta para o Céu!
________________________________*Professora de estudos Orientais, História da Arte e Civilização Islâmica)
(1) mesopotâmia: "terra entre rios"
(2) Babel: "porta de Deus"
(3) fedayin: "os que se sacrificam"

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