Como centenas de milhares de brasileiros de classe média que se mudaram para os EUA nas últimas duas décadas, Jose Osvandir Borges e sua mulher, Elisabeth, chegaram com visto de turista e ficaram como imigrantes ilegais, estabelecendo raízes em formas que não esperavam.
Rocha, do Centro do Imigrante Brasileiro, estima que 5.000 brasileiros retornarão ao Brasil este ano, sem esperanças após perderem suas casas nos EUA
Depois de encaixotarem sua televisão de plasma, troféus escolares e outros frutos de 12 prósperos anos no bairro de Ironbound, em Newark, Nova Jersey, o casal e sua filha nascida nos EUA, Marianna, 10, voltariam ao Brasil de vez na terça-feira (4) pela manhã.
Eles esperam que seu filho Thiago, 21, faça o mesmo em um ou dois anos, apesar de sua relutância em deixar a única terra que sente como sua.
"Você não pode passar toda a vida esperando para ser legalizado", disse Borges, 42, refletindo sobre a dura decisão nascida das esperanças perdidas, temores e a mudança da economia nos dois países desde que chegaram em 1996.
Por lei, o casal enfrenta uma proibição de 10 anos para reentrar nos EUA, mesmo como visitante.
Essa decisão —desistir da vida nos EUA— está sendo feita por cada vez mais brasileiros no país, de acordo com autoridades consulares e agências de viagens, que estão recebendo uma enxurrada de reservas de bilhetes só de ida.
Os líderes comunitários nos bairros que os imigrantes brasileiros transformaram, de Boston até Pompano Beach, Flórida, concordam.
Ninguém pode dizer quantos estão partindo.
Mas, no último meio ano, a migração reversa tornou-se indiscutível entre os brasileiros nos EUA, uma população estimada em 1,1 milhão pelo governo brasileiro —de quatro a cinco vezes os números do censo oficial.
Tentando explicar uma decisão muitas vezes torturante de tirar as amarras, os brasileiros que estão voltando para casa apontam para um temor crescente de deportação e a economia americana decadente.
Muitos citam a expiração das carteiras de motorista que não podem mais ser renovadas depois da adoção de regras mais rígidas, além da queda do valor do dólar contra a moeda do Brasil, onde a economia melhorou.
"Você coloca isso tudo junto, e por que ficar em um ambiente assim se você tem um lugar como o Brasil, onde há esperança, uma luz no final do túnel e não é um trem que vai te atropelar?", disse Pedro Coelho, empresário em Mount Vernon, Nova York, que é conhecido como prefeito dos brasileiros no condado de Westchester.
"Eles estão partindo? Sim, às centenas."
Em Massachusetts, Fausto da Rocha, fundador do Centro do Imigrante Brasileiro em Boston, diz que seus compatriotas —muitos ilegais— estão partindo aos milhares, alguns depois de perder suas casas na crise de hipotecas.
Em Nova York e Nova Jersey, agentes de viagem dizem que as reservas só de ida para o Brasil mais do que dobraram desde o ano passado, para cerca de 150 por dia do Aeroporto Internacional Kennedy, e que os vôos estão lotados até fevereiro.
E no consulado brasileiro em Miami, que serve aos brasileiros em cinco Estados do sudeste americano, as autoridades disseram ter confirmado em recente pesquisa com empresas de mudança e agências de viagem o que já percebiam pelo movimento no consulado: há mais brasileiros deixando a região do que chegando —a reversão de uma curva ascendente que parecia interminável mesmo em 2005, quando os brasileiros que não conseguiam cumprir os requerimentos de visto mais estritos estavam entrando pela fronteira com o México em números recordes.
É cedo demais para dizer se a migração reversa de brasileiros os coloca na vanguarda de uma tendência maior entre imigrantes ou marca sua distinção.
Como Borges, que disse que era mal pago como professor universitário de estudos religiosos em sua cidade natal de Curitiba, eles geralmente vêm de classe mais urbanas e educadas do que outros grandes grupos de imigrantes ilegais da América Latina, segundo os estudos.
Muitos que voltam agora vêm investindo seus ganhos nos EUA em imóveis no Brasil.
Borges voltará com a família para o Brasil após doze anos nos Estados Unidos:
"Você não pode passar toda a vida esperando para ser legalizado", afirma
No entanto, sua explicação para a alta de brasileiros retomando contradiz a sabedoria convencional dos dois lados do debate de imigração.
Por anos, aqueles que queriam dar a pessoas como os Borges uma chance de legalização argumentaram que um aumento nas medidas de fiscalização e proibição de renovação de carteira de habilitação somente levaria os imigrantes ilegais mais para o submundo.
Os defensores de maiores restrições e penalidades, por outro lado, argumentavam que a imigração ilegal atualmente cresce independentemente da maré da economia americana.
Os brasileiros de partida desafiam as duas alegações.
As pessoas, há muito separadas de seus parentes no Brasil e diante de receita menor e de mais gastos nos EUA, "dizem: será que vale a pena, ser ilegal, ficar com medo?'", disse Maxine L. Margolis, professora de antropologia da Universidade da Flórida em Gainesville que escreveu extensivamente sobre os brasileiros nos EUA.
Há variações regionais, mas o padrão é consistente.
No sul da Flórida, a expiração de uma carteira de motorista é freqüentemente o ponto de virada para famílias que já estão com dificuldades pela queda na construção civil, disse a irmã Judi Clemens, assistente pastoral da Missão Nossa Senhora de Aparecida, que atende cinco comunidades diferentes de brasileiros na Arquidiocese Católica Romana de Miami.
Ela observou que, até sete anos atrás, os brasileiros com visto de turista podiam tirar carteira de habilitação válida por oito anos, mas elas estão expirando e não podem ser renovadas.
"Não há transporte público aqui na Flórida, então as pessoas têm que dirigir para o trabalho com medo e tremendo", preocupadas que um sinal de trânsito possa significar meses na prisão da imigração, disse ela.
"Muitas pessoas simplesmente disseram 'basta'".
Em Massachusetts, onde há mais transporte público, uma onda de fiscalização acoplada ao arresto de residências teve um importante papel no êxodo, dizem líderes comunitários como Rocha, morador legal que chegou em 1989.
"Acho que perdemos 5.000 brasileiros só neste ano", disse ele.
"Os senhorios vão enfrentar uma crise em breve."
Apesar de o Brasil ainda não oferecer as oportunidades de emprego da Irlanda, que atraíram levas de imigrantes de volta, também não é um país economicamente sem expressão ou afetado pela guerra.
E, como os imigrantes italianos no início do século 20 que tipicamente planejavam voltar à Itália —metade deles eventualmente o fazendo— muitos brasileiros chegaram com a intenção de voltar assim que atingissem suas metas financeiras.
Mas, como a família Borges, logo mudaram de plano.
"Chegamos aqui para juntar dinheiro suficiente para comprar uma casa" no Brasil, disse Borges, lembrando-se das primeiras semanas que a família dormiu no porão de um amigo e trabalhou com construção pela primeira vez.
Eles esperavam voltar ao Brasil em dois anos.
Em vez disso, ele encontrou seu empresário interior.
Começou uma firma de construção e encanamentos que empregou mais de sete compatriotas, pagava impostos e ajudou a construir hotéis famosos em três Estados.
Em 2005, entretanto, quando a bolha da construção civil começou a explodir, as empresas maiores, pressionadas pelos sindicatos, começaram a exigir permissão de trabalho, disse ele.
E como sua equipe não tinha documento, perdia o contrato.
Com as dificuldades no mercado imobiliário, os ganhos semanais de sua empresa caíram de US$ 6.000 para US$ 2.000 (de cerca de R$ 12.000 para R$ 4.000), disse ele.
Gastos como gás e aluguel subiram, tornando mais difícil para ele e sua esposa, que limpava casas em Nova York, pagarem os empréstimos para a fazenda que estavam comprando no Brasil.
O dólar, que chegou a comprar R$ 4, caiu para uma baixa histórica de R$ 1,7, em maio.
Então, em junho, veio a última gota: o colapso do acordo bipartidário no Congresso que ia oferecer a eles e a milhões de outros moradores ilegais um caminho para conseguir a legalidade.
"Depois que a lei não foi aprovada, foi como se a esperança toda fosse embora", disse Borges, que tinha viajado com outros membros da Igreja Católica de St. James em Newark para participar de comícios em favor da lei em Trenton e Washington.
Nos últimos anos, Borges gastou US$ 26.000 (em torno de R$ 52.000) em esforços dúbios e malfadados para conseguir um "greencard".
Agora, ele espera ganhar a vida fabricando etanol em sua fazenda de cana-de-açúcar no Brasil.
"Se tivéssemos os documentos, ficaríamos para sempre", disse Elisabeth Borges, 41, que é ativa nas escolas públicas dos filhos.
"Adoramos esta comunidade."Orgulhosamente, eles mostram o troféu que Marianna ganhou na terceira série, em um concurso para cartazes educativos ensinando a não jogar papel no chão —um desenho que agora está nas vitrines do Ironbound.
Nesses bairros aos quais os brasileiros trouxeram movimento a vitrines apagadas ou fábricas abandonadas as partidas são sendo mais sentidas.
"Tenho medo", disse Francine Melo, proprietária da agência de viagem em Newark onde Borges comprou três bilhetes de ida por US$ 1.708 (cerca de R$ 3.400).
"Ganho a vida com essas pessoas."
Outra última cliente, Norma dos Santos, ex-faxineira, sentia que não tinha escolha.
Sete anos depois de ultrapassar a estadia permitida pelo visto, ela não dirige para o trabalho nem pega os filhos na escola, com medo de ser presa pela imigração.
"Está ficando cada vez mais difícil ficar aqui sem documentos", disse ela.
Ainda assim, não tem certeza de estar fazendo a melhor escolha para seus filhos, um recém nascido e um menino de dois anos.
"Tenho medo que, quando crescerem, me perguntem: 'Como pudemos sair dos EUA?'", disse ela.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2007/12/05/ult574u8033.jhtm
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