quarta-feira, 28 de novembro de 2007

ALVO: IRAQUE

NORMAN SOLOMON E REESE ERLICH
ALVO: IRAQUE
O que a imprensa não contou

Copyright © 2004, by Expressão Popular
Título original: Target Iraq: Wath The Midia Didn’t Tell You
Tradução: Tatiana Carvalho de Azevedo e Maitê Carvalho Casacchi
Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho
Projeto gráfico, diagramação e capa: ZAP Design
Impressão: Cromosete
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada
ou reproduzida sem a autorização da editora.
1ª edição: dezembro de 2004
EDITORA EXPRESSÃO POPULAR LTDA
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Solomon, Norman
Alvo: Iraque: o que a imprensa não contou / Norman
Solomon e Reese Erlich ; tradução [de] Tatiana Carvalho
de Azevedo e Maitê Carvalho Casacchi. --1.ed.-- São Paulo
: Expressão Popular, 2005.
144 p.
Título original: Target Iraq: wath mídia didri’t tell
You.
Livro indexado em GeoDados-http://www.geodados.uem.br
1. Iraque – Guerra – História. 2. Iraque – Política e
governo. 3. Iraque – Relações exteriores – Estados
Unidos. 4. Iraque – Guerra e imprensa. 5. Armas de
destruição de massa – Iraque. 6. Iraque – Guerra –
Motivos. 7. Iraque – Guerra – Geoge Bush. 8. Iraque –
Recursos minerais. I. Erlich, Reese. II. Título.
CDD 21.ed. 327.567073
956.70443
Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250
S689a
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
OS CADÁVERES DE FALUJA
ACUSAM GEORGE BUSH
José Arbex Jr.

O monstruoso ataque das tropas estadunidenses a
Faluja, no Iraque, iniciado em 8 de novembro de 2004,
foi a primeira grande demonstração do que o mundo
pode esperar após a reeleição de George Bush ao cargo
de presidente dos Estados Unidos.
Conduzido à Casa
Branca, no ano 2000, graças a um processo fraudulento,
Bush interpretou sua vitória eleitoral, quatro anos
depois, como um aval concedido pela opinião pública
estadunidense aos ataques terroristas de suas tropas
contra outros povos, em particular o iraquiano.
Os cadáveres
de Faluja, fortaleza da resistência iraquiana aos
invasores, são os primeiros troféus da nova administração
Bush.
As grandes corporações da mídia estadunidense têm
uma grande responsabilidade por isso, por uma simples
razão: elas ocultam as dimensões reais do massacre, da

chacina, da crueldade que atinge, de preferência, crianças,
mulheres, idosos, os cidadãos comuns, pacíficos e
desarmados do Iraque.
Certo: ficamos, eventualmente, sabendo que um soldado
estadunidense dispara, a sangue frio e com covardia,
contra um homem mortalmente ferido, desarmado
e estendido indefeso no chão; sabemos também que
mesquitas são profanadas e que iraquianos presos são
torturados e humilhados por sorridentes oficiais de Tio
Sam; aqui e ali escapam imagens de mães desesperadas,
carregando no colo filhos pequenos esvaindo em sangue.
Mas isso tudo, horrível como é, constitui apenas a
ponta do iceberg, como indicam relatos de organizações
humanitárias e de observadores independentes, incluindo
a Cruz Vermelha, Anistia Internacional e vários outros.
A julgar por esses testemunhos, amparados em fotos
e documentos que circulam pela Internet, não é exagero
afirmar que as tropas de Bush praticaram um
genocídio de grandes proporções no Iraque e, particularmente,
em Faluja.
As corporações da mídia aprenderam a lição do
Vietnã, e sabem que uma opinião pública bem informada
dificilmente aceitaria a imposição de tais horrores a uma
população inocente.
Daí o pacto de cumplicidade com
as Forças Armadas dos Estados Unidos, sintetizado pela
figura do jornalista “embedded”, ou “acamado” em tradução
livre do inglês.
O jornalista embedded é aquele que
aceitou se submeter a uma série de 50 normas estabelecidas
pelo Pentágono, como condição para acompanhar
as tropas.

As normas previam, entre outras coisas, que ele não
poderia reportar nada que não fosse aprovado pelos
chefes do regimento em que se encontra, o mesmo valendo
para as transmissões de imagens.
Tampouco poderia
deslocar-se para áreas consideradas perigosas.
Em
resumo, não teria a menor independência, nem sequer
para observar os fatos. Uma boa descrição do correspondente
embedded foi feita pelo jornalista israelense Uri
Avnery, durante a invasão do Iraque, em março de 2003:
“Os médicos estão comprometidos pelo juramento de Hipócrates
a salvar vidas na medida do possível.
Os jornalistas estão forçados
pela honra profissional a dizer a verdade, da maneira como
a vêem.
Nunca tantos jornalistas traíram tanto o seu dever como
na cobertura.
O pecado original deles foi aceitar o acordo de
participar de unidades do exército.
O termo estadunidense
embedded soa como sendo posto a cama, e a isso corresponde
na prática.
Um jornalista que aceita a cama de uma unidade do exército se
torna um escravo voluntário.
É agregado aos subordinados, ao
comandante, é levado para os lugares que interessam ao comandante,
vê e escuta aquilo que o comandante deseja.
É pior do
que ser um porta-voz oficial do exército, por pretender ser um
repórter independente.
O problema não é que você só vê uma fração pequena do grande
mosaico da guerra, mas sim transmitir uma visão falsa daquela
pequena fração.
Na guerra das Malvinas e na primeira do
Golfo, foi vetado o acesso dos jornalistas às áreas de conflito.
Parece que desta vez alguém brilhante no Pentágono teve uma
idéia:
“Para que afastá-los?
Deixemos que entrem.
Diremos o
que escrever e transmitir, e comerão em nossas mãos, como
mascotes.”

Desde os 19 anos, sou jornalista.
Sempre tive orgulho de ser jornalista.
Hoje, estou envergonhado, ao ver um grande grupo de
jornalistas sentado diante de um general cheio de estrelas, escutando
avidamente o que chamam de “informações”, sem formular
nem a pergunta mais simples.
E quando um repórter coloca
alguma questão real, ninguém protesta quando o general responde
com fórmulas de propaganda banais.
Quase todos os relatos
jornalísticos desta guerra formam um espelho deformado.
Nele
nós vemos um quadro manipulado, deformado e mentiroso”.
1
A operação de falsificação das informações, como
nota Avnery, é brilhante: aparentemente, concede-se ao
jornalista total liberdade de presenciar os combates; seus
movimentos são monitorados pelo Exército em nome de
sua própria segurança, assim como a possibilidade de
cobrir tal ou qual área é determinada unicamente por
razões de estratégia militar.
Oficialmente, portanto, não
há censura, de forma alguma.
Na prática, são aceitos
apenas os correspondentes “bem comportados” que aceitam
deitar-se na cama dos oficiais. Avnery observa, com
amarga ironia:
Júlio César, quando comandava suas
tropas nos confins do império romano, integrava ao
regimento prostitutas encarregadas de prestar serviço aos
soldados; Bush integra correspondentes de guerra.
Como
diz Reese Erlich, co-autor do livro aqui apresentado:

“A maioria dos jornalistas enviados ao exterior já aceitou as
condições do império.
Eu não conheci sequer um correspondente
internacional no Iraque que discordasse da idéia de que os Estados
Unidos e a Inglaterra têm o direito de depor o governo
iraquiano por meio da força.
Eles discordavam apenas em relação
ao momento, se a ação deveria ser unilateral e se uma ocupação
de longo prazo seria o melhor a fazer”.
Claro que não cabe a Bush o mérito de ter inventado
a crueldade.
Ele apenas prolonga, intensifica e aprofunda
a tradição imperial dos Estados Unidos, sentida na pele
pelos habitantes de Hiroshima e Nagasaqui, Vietnã, Laos
e Cambodja – apenas para citar alguns exemplos de
morticínios bem conhecidos, sem falar das ditaduras
militares latino-americanas.
Norman Solomon, o outro
co-autor deste livro, lembra as responsabilidades do
presidente Bill Clinton pela tragédia iraquiana.
Clinton
manteve a política de sanções econômicas e comerciais
contra o Iraque, decretada por George Bush (pai), logo
após o primeiro ataque a Bagdá, em 1991:
“Os efeitos das sanções martelavam meu pensamento quando
nossa delegação visitou, em Bagdá, o Hospital Pediátrico Al-
Mansour, onde mães, sentadas em colchões finos, acompanhavam
o sofrimento de seus filhos, vítimas de leucemia e câncer.
Os jovens não estavam recebendo a quimioterapia adequada –
resultado direto das sanções impostas pelos EUA.
Ao andar pela ala do câncer, lembrei-me de uma resposta da
então secretária de Estado, Madeleine Albright, durante uma
entrevista no programa de TV ‘60 Minutes’ que foi ao ar em 6

de maio de 1996.
Lesley Stahl, correspondente da CBS, afirmou:
‘Ouvimos dizer que meio milhão de crianças morreram’ e então
perguntou: ‘É um preço que vale a pena pagar?’
Albright replicou:
‘Eu acho que é uma decisão muito difícil, mas o preço –
acreditamos que vale a pena pagá-lo’.”

Solomon e Erlich visitaram várias vezes o Iraque, nos
meses que antecederam a invasão de 2003.
Eles oferecem
aqui um relato a um só tempo vívido e pungente
daquilo que viram e ouviram quando soavam os tambores
da guerra e a população se preparava para enfrentar
mais um terrível pesadelo.
O resultado é um livro
doloroso, mas esclarecedor.
É doloroso, por fazer enxergar
as engrenagens implacáveis da máquina do império
em movimento: como um pesadelo, o leitor revive,
do ponto de vista dos iraquianos, as horas infinitamente
longas que antecederam o ataque, ao mesmo tempo
em que é chamado a refletir sobre as manobras falsificadoras
da mídia; é esclarecedor, por recuperar a face
profundamente humana das vítimas, constituir de corpo
e alma aquilo que nos jornais aparece como números
e estatísticas.
Trata-se, infelizmente, de um livro atual e mais necessário
do que nunca.
Dezembro de 2004

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