terça-feira, 16 de outubro de 2007

Isto está acontecendo: terrorismo e tortura

EUA torturam inocentes suspeitos de terrorismo
Como nós nos tornamos um país onde o fato de gays se casarem é considerado uma abominação, mas a tortura é aceitável?
Bob Herbert

Maher Arar, 34, nasceu na Síria e migrou para o Canadá quando era adolescente.
No dia 26 de setembro de 2002, ao retornar de umas férias com a família na Tunísia, foi preso por autoridades americanas no aeroporto de Kennedy, em Nova York, onde estava em trânsito.
Arar, cidadão canadense, não foi formalmente acusado de nenhum crime.
Mas, como nos diz Jane Mayer, em um artigo cativante e profundamente perturbador na atual edição da revista "New Yorker", ele "foi algemado e teve os pés acorrentados por policiais à paisana. Assim, foi transferido para um jato executivo".
Em um instante, Arar mergulhou em um pesadelo cada vez mais comum, cortesia dos Estados Unidos da América.
O avião decolou do Kennedy, "voou para Washington, continuou para Portland, Maine, e parou em Roma, Itália. Depois, pousou em Amman, na Jordânia."
Qualquer direito que Arar pensasse que tivesse, como cidadão canadense ou apenas como ser humano, foi deixado para trás.
Às vezes, durante a viagem, Arar ouviu os pilotos e sua equipe se identificarem em comunicações de rádio como membros da "Unidade Especial de Remoção".
Ele estava sendo levado, sob ordens do governo dos EUA, para a Síria, onde seria torturado.

O título do artigo de Mayer é "Terceirizando a Tortura".
É um relato detalhado do programa americano assustador e extremamente sigiloso conhecido como "rendição extraordinária". Esse é um dos grandes eufemismos de nossa era.
Rendição extraordinária é o nome que se dá quando a polícia detém indivíduos sem sombra de processo legal e os envia para serem interrogados por regimes famosos por praticarem a tortura. Em termos de mau comportamento, está lado a lado com a contratação de assassinos.
Nossos capangas em lugares como Síria, Egito, Marrocos, Uzbequistão e Jordânia estão torturando suspeitos de terrorismo em nome de uma nação --os Estados Unidos-- que acaba de passar por uma eleição nacional na qual a questão de valores morais foi supostamente decisiva.
Como nos tornamos um país onde gays se casarem é considerado uma abominação, mas a tortura é aceitável?
Como salientou Mayer: "Suspeitos de terrorismo na Europa, África, Ásia e Oriente Médio foram abduzidos por agentes americanos mascarados e forçados a entrar em um jato Gulfstream 5, como o descrito por Arar. Ao chegarem aos países estrangeiros, frequentemente somem. Os presos não recebem advogados e muitas famílias não têm informações de seu destino."

Arar foi levado porque seu nome constava de uma lista de possíveis terroristas.
Ele foi acusado de colaborar com um homem no Canadá cujo irmão era suspeito.
"Apesar de inicialmente tentar afirmar sua inocência, Arar eventualmente confessou qualquer coisa que seus torturadores quisessem", escreveu Mayer.
A confissão sob tortura foi inútil.
Autoridades sírias informaram aos EUA que não encontraram ligações entre Arar e o terrorismo. Ele foi liberado em outubro de 2003, sem jamais ser acusado, e hoje está de volta ao Canadá.
Barbara Olshansky é diretora jurídica assistente do Centro de Direitos Constitucionais, que está representando Arar em um processo contra os EUA.
Pedi a ela que descrevesse o estado físico e emocional de Arar quando foi liberado.
Ela pareceu abalada com a memória.
"Ele não é grande", disse ela. "Tinha perdido mais de 20 kg. Estava com terrivelmente pálido, com os olhos afundados. Parecia uma pessoa morta por dentro."

Qualquer governo que comete, compensa, promove ou fomenta a tortura é uma força maligna no mundo.
E os que se recusam a levantar suas vozes contra algo tão claramente malignos como a tortura são possibilitadores, se não colaboradores.
Nos EUA, há uma noção disseminada, porém enganada, de que todos detidos pelo governo em sua chamada guerra ao terror de fato têm conexões com a atividade terrorista.
Isso é totalmente errado.
Tony Blair conhece um pouco esse tipo de coisa.
Dois dias atrás (9/2), o primeiro-ministro britânico pediu desculpas formalmente a 11 pessoas que foram erroneamente condenadas e aprisionadas por explosões na Inglaterra causadas pelo Exército Republicano Irlandês (IRA), há três décadas.
Jogar fora o Estado de Direito para permitir atos do mal como seqüestro e tortura não é uma política defensável para uma nação civilizada.
É errado.
E nada de bom pode brotar disso.
Publicado originalmente pelo The New York Times em 11 de fevereiro de 2005

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