domingo, 27 de janeiro de 2008

A VOZ DO POVO É A VOZ DE DEUS

Poder ao povo (palestiniano)!
Por Jeff Halper*

O povo da Palestina fê-lo novamente – tomar o próprio destino nas suas mãos depois de ter sido abandonado na sua luta pela liberdade pela direcção política “moderada” e, de facto, pela comunidade internacional.
Hoje [24 de Janeiro] ao princípio da manhã, os palestinianos simplesmente rebentaram com o muro que separa Gaza do Egipto, quebrando um cerco que lhes fora imposto por um governo árabe em colaboração com Israel.

Nesta profunda recusa de uma sociedade civil em aceitar a subjugação, o abandono à sua sorte pelos governos, incluindo o seu próprio, para quem as vidas das pessoas comuns são meros joguetes nas suas charadas políticas, – sendo que Annapolis e o decorrente “processo de paz” constituem a sua última expressão de cinismo -, nesta recusa, nós, os povos do mundo, devíamos ver grandes motives de orgulho e encorajamento.
Porque os palestinianos representam muito mais do que eles e elas próprias.
A sua recusa em submeter-se ao ditames dos governos, ou à falta de interesse dos governos no bem-estar do povo em geral, reflecte o desejo de biliões de pessoas oprimidas por identidade, liberdade, uma vida decente e concretização dos seus direitos e potenciais, colectivos e individuais.
A maioria dos oprimidos, os “condenados da terra”, como lhes chamou Franz Fanon há meio século, também estão preocupados com a sufocante luta quotidiana pela sobrevivência para organizar e resistir.
Outros resistem numa grande variedade de formas, mas quase sempre são reprimidos pelos seus próprios “dirigentes” políticos e económicos, desaparecendo do mapa anonimamente.
Em alguns, poucos, casos, conseguiram organizar uma resistência efectiva contra a opressão, ou mesmo prevalecer – embora os biliões gastos em guerra “contra-insurreccional” pelos EUA, Rússia, Israel e muitos países “em vias de desenvolvimento” sejam um mau prenúncio para os povos que tentam derrubar regimes opressores.

Nisto os palestinianos encontram-se na vanguarda da insistência dos povos para que sejam respeitados pelos governos os seus direitos, bem-estar e valores fundamentais como seres humanos.
E fazem-no (e eu escrevo-o como israelita, com grande desgosto e vergonha) contra uma dos mais implacáveis e fortes potências militares do mundo – uma potência que lhes expropriou 85% da sua terra, que tenta transformar a sua ocupação num regime de apartheid permanente, que gastou décadas a empobrecê-los, a quarta maior potência nuclear, que no entanto se faz passar por vítima.
Não só os palestinianos têm passado pela experiência de desumanização de todos os povos oprimidos e colonizados, não só se tornaram a imagem mesma do maior medo dos ricos e poderosos, como “terroristas” perversos que podem destruir-lhes a civilização privilegiada, mas também foram transformados em cobaias.
Israel consegue ganhar um avanço na indústria da contra-insurreição e ganhar acesso ao núcleo duro do complexo americano de alta tecnologia, ao transformar os territórios ocupados num laboratório para o desenvolvimento de armamento sofisticado e de tácticas para usar contra os povos.

E no entanto o povo palestiniano – e em especial aqueles que na Palestina permanecem firmes – continua não só a resistir mas também a surpreender e a confundir a cada instante o seu putativo amo israelita.
Apesar de um controle ilimitado, de um completo monopólio do uso da força, de uma completa insensiblidade e de um reputado Shin Beit, o serviço de informações militar israelita, os palestinianos votam como querem, resistem, fazem as suas vidas quotidianas com dignidade – e abrem enormes buracos nos muros e nas políticas construídas para aprisioná-los e derrotá-los.

Nada disto está nas cabeças das pessoas desesperadas que passaram hoje para o lado egípcio.
Talvez não tenham a “grande visão”.
E no entanto merecem o respeito e a gratidão de qualquer pessoa que deseje um mundo melhor, baseado em direitos humanos e em dignidade, um mundo inclusivo.
Como judeu israelita, tem-me entristecido e mortificado ver que o meu próprio povo, depois de ter passado por tudo o que passou, não veja o que está a fazer a outros.
Mas, numa escala mais ampla, não como judeu israelita mas como ser humano, sinto-me encorajado pela activa recusa dos palestinianos a deixarem-se abater sob um sistema global que produz riquezas e crescimento inimagináveis para uns poucos à custa de um aumento das fileiras dos condenados.

Não sou um palestiniano, não sou um dos oprimidos.
Espero apenas que possa usar os meus privilégios de modo a fazer valer a dádiva do povo de Gaza a todos nós: a compreensão de que o povo tem poder e pode triunfar perante uma potência esmagadora.
Cada um de nós pode assumir a sua responsabilidade perante o povo de Gaza da maneira que mais lhe agrade, mas como privilegiados devemos fazer alguma coisa.
Estamos em dívida com os palestinianos e os palestinianos merecem pelo menos esse apoio.

* Jeff Halper é o presidente do Comité contra as Demolições de Casas

Fonte: MRZine

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