sábado, 26 de janeiro de 2008

VIOLAÇÃO DE LEIS INTERNACIONAIS

Saddam: bastidores de uma execução clandestina
Categoria:
Internacional
Postado por:
marceloambrosio
Agora que o vídeo com a execução quase clandestina de Saddam Hussein é de conhecimento público, detalhes desse dramático capítulo na história do Oriente Médio justificam o horror e os protestos internacionais que suscitou - a começar da divulgação pelos autores, uma violação aos direitos humanos.
Nos diálogos com os executores, por exemplo, chama minha atenção o fato de um dos verdugos mascarados ter gritado para Saddam o nome de Moqtada Al Sadr, o clérigo radical xiita que lidera o Exército Mehdi, a principal força paramilitar do país.
O ex-ditador o ignorou, mas o carrasco insistiu e gritou o nome do pai de AL Sadr, assassinado por ordem de Saddam.
Não foi apenas uma bravata, mas um atestado da identidade dos encapuzados.
Uma das razões pelas quais o Iraque vive uma guerra sectária é a infiltração do Mehdi no aparato de segurança do Estado, haja visto o centro de tortura que o grupo mantinha dentro da sede do ministério do Interior, em Bagdá.
Nos cárceres, havia mais de 180 prisioneiros sunitas, capturados clandestinamente, sem ordem judicial.
O "aparelho" foi descoberto e desmantelado em uma operação militar americana realizada à revelia do então primeiro-ministro xiita Ibrahim Al Jaafari, mas a presença de seguidores de Al Sadr na cena do enforcamento demonstra que os braços do Mehdi continuam firmemente amarrados ao esquema de segurança do atual governo.
Também explica porque o condenado morreu sem capuz e todos os executores o usavam.
Sem eles, seria virtualmente impossível sustentar a legalidade da execução.
Legalidade é a palavra-chave também para um dos principais advogados do ex-ditador enforcado.
Em uma longa entrevista à ABC, Bouchra Khalil usa a mesma imagem que mencionei no artigo anterior comparando a execução encapuzada à degola de reféns patrocinada por Al Zarqawi no passado.
Também, como eu, levanta fortes suspeitas quanto à pressa da Suprema Corte iraquiana em confirmar a realização da pena capital.
Segundo Khalil, cada um dos juízes ligados ao caso recebeu uma cópia da apelação à condenação, um calhamaço com 200 páginas.
Em nove dias, para seu espanto, o apelo foi rejeitado.
Dada a importância do caso, é até possível que possam ter acelerado ao máximo o processo.
Ainda assim, aqui a pressa é irmã da suspeição.
Descontada a simpatia óbvia do entrevistado pelo tirano iraquiano, é patente que seus argumentos devem ser observados com atenção.
Khalil diz que a lei iraquiana na qual a pena de morte é um capítulo prevê um prazo de trinta dias, a contar da data da confirmação presidencial da sentença, para a execução.
No caso de Saddam, o prazo venceria só no dia 26 de janeiro.
"Por razões morais, humanitárias e pela tradição, o preso tem direito aos 30 dias para resolver seus assuntos pessoais. O que houve foi uma violação das leis internacionais", acrescenta o defensor, que esteve todo o tempo com a família Hussein no exílio jordaniano.
Também há queixas pelo isolamento a que os Hussein foram relegados nos últimos momentos.
O advogado conta que, ao longo do processo, sempre que havia alguma audiência importante "as autoridades americanas os informavam, mas a partir do momento em que começaram a circular os rumores de um enforcamento iminente, o acesso da família foi cortado".
A afirmação revela que o contato era uma permissão americana, não de Bagda.
A última audiência com advogados foi autorizada e realizada no dia 28, pouco antes de o prisioneiro ser entregue à custódia iraquiana.
Curiosamente, Khalil informa que os carcereiros haviam dado um rádio para Saddam, mas o aparelho foi retirado da cela dois dias antes do encontro.
"Eles não queriam que soubesse que estava tão perto de morrer".
Ainda de acordo com Khalil, no encontro final o ex-ditador estava ciente do que o aguardava, e agradeceu o esforço e os riscos corridos pela equipe de defesa - dois dos seus advogados foram assassinados e um terceiro, o americano Ramsey Clarke, se afastou por considerar o processo ilegitimo e viciado. Também recusou tranquilizantes oferecidos por um médico americano.
"Se é esse o meu destino, eu o aceito", disse.
A língua do ditador estava mesmo afiada: quando outro dos verdugos encapuzados, ao vê-lo com a corda no pesçoco, gritou: "vai para o inferno", Saddam Hussein retrucou: "O inferno é o Iraque".
O genocida do deserto tinha toda razão.

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